quarta-feira, 6 de maio de 2020

Escritores de Coração de Jesus


Escritores de Coração de Jesus e suas batalhas

Gilberto Medeiros

Figura 1 Capas livros escritores de Coração de Jesus. Foto do autor.
Neste artigo trago uma visão de perto da vida e produção de alguns escritores de Coração de Jesus e suas batalhas na produção de seus trabalhos e no exercício de seu ofício. Conheço esses escritores, e vejo suas batalhas tão acirradas que podem levar à exaustão.
Os escritores que apresentarei aqui já publicaram livros e todos através de produções próprias. Infelizmente, nenhum ainda obteve o devido respeito e reconhecimento pelo seu trabalho. No artigo trago informações fornecidas pelos próprios escritores, que obtive através de um questionário que enviei a eles por meio do WhatsApp, Messenger ou e-mail, sobre sua vida de escritor, obras, desafios entre outros temas. Enviei o questionário a vários escritores e escritoras, mas apenas quatro deles me responderam. Então, o artigo será dedicado àqueles e àquela que me responderam. Caso obtenha respostas de outros escritores ou escritoras, posteriormente, escreverei outro artigo sobre o trabalho deles e delas. Transformei parte das entrevistas em texto narrativo, porém, respeitando falas e ideias dos escritores.
Neste artigo, no entanto, não irei deter-me a examinar as formas e os temas da escrita desses autores, por dois motivos: primeiro: para que este artigo não fique muito longo; segundo: porque pretendo abordar a produção literária de cada um deles em artigos específicos posteriormente. De tal modo, vou deter-me apenas em apresentar a produção e os desafios desses escritores em seu Ofício de Escritor. A ordem em que os escritores aparecem no artigo é a ordem em que foram respondendo ao meu questionário. E eles são: Elismar dos Santos Alves, Raphael Souza, Ubirajara Alves Macedo e Maria Clara Moreira Leite e Souza.
O escritor Elismar dos Santos Alves é natural de Coração de Jesus, é professor na Rede Estadual de Educação e hoje vive mais em São João da Lagoa, a cerca de 22km de sua cidade natal. É membro efetivo da ACLACJ – Academia de Ciências, Letras e Artes de Coração de Jesus. Com vários livros e textos publicados, é um dos escritores com maior produção da nossa região. Como o próprio escritor especifica, lida com uma variedade dos tipos de produção literária, construindo seu ofício na poesia, crônicas, conto, romance e música. A composição musical de Elismar Santos é uma novidade entre os escritores locais, visto que é uma produção muito difícil, o que faz com que nem todos tenham habilidades para ela, apesar de serem bons em outros tipos textuais. Entre suas produções musicais, destaca-se o Hino Oficial de São João da Lagoa.
Elismar Santos, como é conhecido, tem um histórico importante não só de publicações, mas também na escrita. Começou ainda em sua infância a produção de seus primeiros textos, como podemos conferir em sua fala em reposta a perguntas do autor deste artigo:
“Publiquei meu primeiro livro (Mutação) em 2013; mas a lembrança mais remota é de um livreto escrito em sala de aula, a pedido da professora Sérgia (na Escola Coração de Jesus), quando eu estava na 3° Série, com 9 anos. E, depois, escrevi dois poemas elogiados pela professora Maroni, em 1998, quando eu estava no 1° Ano Médio”.
Percebe-se que o escritor teve seus dons para a escrita despertados ainda em sua infância, e que escreveu seu primeiro trabalho ainda na puberdade. As obras do escritor publicadas até o momento, constam de uma lista elabora por ele a meu pedido, que segue abaixo:
“Publiquei Mutação (Poesia); Sanharó (Romance); A Pá Lavra (Poesia); O Poeta e suas Lavras (Poesia); Minhas Crônicas (Crônicas) e A Saga de Juca Pessoa (Romance);
Figura 2 Livro Sanharó de Elismar Santos. 
Foto do autor.
além de um projeto (in-sacando Poesia - Alimentando a Alma) e participação em duas coletâneas”.
Elismar Santos, no entanto, publica seus textos também em sua página pessoal no Facebook e em seu Blog pessoal, o que faz sua produção literária mais ampla do que o que está aqui demonstrado.
A produção do autor, como de todos os escritores de Coração de Jesus, é independente, o que significa que o próprio escritor produz toda a sua obra, da composição ao lançamento, isto quando há, de fato, um lançamento. Segundo Elismar Santos, uma de suas grandes dificuldades é a “falta de apoio, principalmente financeiro”, deixando claro que não só falta apoio financeiro, como investimento de qualquer setor em seu trabalho, mas também apoio cultural e de leitores.
O escritor, no entanto, afirmar que se sente realizado em eu Ofício de Escritor. Em suas palavras: “por me satisfazer com a minha obra somente; pois o reconhecimento popular é pouco, até mesmo porque a maioria não gosta de ler e, sobretudo, de comprar livros (além de Santo de casa não fazer milagre)”, conclui.
Questionado sobre o que tipo de respaldo ele gostaria de ter para que sua obra fosse, definitivamente, reconhecida, ele responde: “o principal talvez seria o apoio financeiro, principalmente por parte das autoridades políticas, que poderiam criar, por exemplo, fundos de financiamento aos artistas”. E aqui o escritor fala não apenas de apoio aos escritores, mas do apoio a todos os artistas de Coração de Jesus.
As obras de Elismar Santos podem ser encontradas, para compra, em plataformas digitais como a Amazon e o Clube de Autores.
O escritor Raphael Souza, mais conhecido como Pastor Raphael, é natura da Cidade de Nilópolis, no Rio de Janeiro. No entanto, mora com a Família em Coração de Jesus há 08 anos, e costuma afirmar que adotou a cidade como sua, e por ela tem insuperável apreço. É mestre em Jiu-Jítsu e desenvolve um projeto voluntário com uma Escola de Jiu-Jítsu em Coração de Jesus. Professor de Educação Física, escritor e religioso profundo, desenvolve sua escrita em “diversos assuntos: política, poesia, romance, conto infantil”, como afirma
Figura 3 Livro Raphael Souza. Foto do autor.
em resposta ao questionário deste autor.
Raphael Souza começou a escrever antes dos 10 anos de idade, deixando transparecer sua vocação pelo Ofício de Escritor ainda na infância. O escritor não nega a influência de seu Pai em sua produção, pelo contrário, a afirma, conforme me informou, pessoalmente, e pela resposta ao questionário para este artigo:
GM: Com que idade você começou a escrever?
RS: Antes dos dez anos vendo meu pai Raimundi Souza, falecido em 05 de abril de 2020: (ele) era escritor, músico, poeta, veterinário e professor de esperanto, com vários prêmios, inclusive na China.
O escritor possui alguns livros publicados e outros em fase de publicação. Na verdade são “três publicados e quatro em fase de publicação”, afirma. Os títulos das obras de Raphael Sousa, tanto as publicadas quanto as em fase de publicação, me foram confirmadas pelo autor na seguinte lista:
“Publicados: Aliança com as Rosas (Poesia), O Mestre, filosofia e pedagogia do Jiu-Jítsu, vol. I., 1° edição (arte marcial) e Excelência em capelania (religioso).
(...) fase de publicação:
O Mestre, filosofia e pedagogia do Jiu-Jítsu, 2° edição, Pinguelinho: segredo de família (conto infantil), Todo político mente de vereador a presidente (política), Quem é o santo protestante (religioso)”.
Assim como Elismar Santos, a produção dos livros de Raphael Sousa é própria, “arte diagramação e etc., mas, foi publicado pela editora A Voz do Brasileiro”, com a exceção de que foi publicada por uma editora. Em termos práticos, para nós escritores, se a produção não foi feita toda pela editora, inclusive divulgação e lançamento, significa que ou escritor pagou pela produção completa, comprando o trabalho da editora e pagando à vista. Isso deixa livres os direitos autorais, o que faz com que o escritor possa republicar sua obra quantas vezes quiser e por qualquer meio que acreditar melhor. Porém, deixa todo o trabalho, inclusive de venda, por conta do escrito. Em se tratando de escritores locais, isso é uma tremenda dificuldade, pelos vários motivos que já elenquei aqui e que Raphael Sousa irá descrever mais à frente.
Na sua produção literária, Raphael Souza indica uma série de dificuldade, como: o “brasileiro não tem hábito de leitura, falta apoio financeiro cultural, outro problema é a logística, distribuição e o marketing, além de poucos incentivos nas bienais para novos autores”. Realidade, preciso concordar.
Mas indagado se se acha realizado neste ofício, o autor responde: “Sim. Amo escrever, pensar fora (da) caixinha, produzir ideias e ideais”. Porém, afirma que gostaria de ter apoio para que seu trabalho pudesse ganhar o destaque merecido. Indica como dois principais apoios: “além de apoio financeiro para ter tranquilidade para escrever é o apoio logístico de distribuição e marketing”.
Os livros de Raphael Souza podem ser encontrados com o próprio autor, e algum deles na plataforma do AgBook.
O escritor Ubirajara Alves Macedo, nasceu em Coração de Jesus, e hoje está com 77 anos de idade. É o escritor vivo mais velho que temos. É filho do explorador José Alves de Macedo, pioneiro nas buscas paleontológicas, espeleológicas e arqueológicas de Coração de Jesus. Ubirajara, mais conhecido como Bira Macedo, e agora como Ubirajara Macedoi, acompanhou o seu Pai desde a tenra idade em suas muitas descobertas. É fundador da Fundação Cultural José Alves de Macedo, da qual é curador, Membro Fundador e Presidente da ACLACJ – Academia de Ciências, Letras e Artes de Coração de Jesus e atual Secretário de Cultura do Município. Teve seu sobrenome atribuído ao Titanossauro Tapuiassarus Macedoi, descoberto no Município de Coração, de cuja descoberta e exploração fossilífera participou. Também é Guardião da Casa de Cultura de Coração de Jesus, a qual abriga o Museu de Coração de Jesus e uma biblioteca.
Ubirajara Alves Macedo foi escritor precoce, começando suas produções aos 06 anos de idade. Já por essa época, “fizemos o primeiro Jornal, juntos, eu e Sanguinette”, explica, referindo-se ao amigo Geraldo Sanguinette. O escritor faz incursões em diversos gêneros literários. Modestamente, diz: “de tudo um pouco, incluindo agora um científico”. O texto científico a que se refere é seu novo livro, ainda a ser publicado, “Tapuiassaurus macedoi”, corrigido e prefaciado pelo advogado e paleontólogo, o Professor Leonardo Campos. O seu último livro, lançado em janeiro deste ano, foi Geografia dos Mitos: lenda, fábulas e contos de Coração de Jesus, cujo prefácio tive o prazer de escrever.
Bira Macedo é o escritor de Coração de Jesus, atualmente, com maior número de obras publicadas, e conta ainda com vários escritos a serem organizados para publicação. Bira Macedo já publicou “9 livros, e mais 03 no prelo”, cujos títulos, dos publicados, são:
Retrospectiva Histórica e Geográfica de Coração de Jesus; SINOPSE; Vocabulário Regional; CJ CEM ANOS; História da Câmara Municipal; Um Vulto na Cultura; Minhas Rimas; Migalhas Folclóricas; Pitinha Ontem, São João da Lagoa Hoje e Geografia dos Mitos.
A obra Um Vulto na Cultura, trata-se de uma biografia não autorizada do autor, escrita pela Professora Varníbia Aparecida Antônia Marchi, de São Paulo, e enviada ao autor como presente de reconhecimento pela sua contribuição à Cultura de Coração de Jesus.
Figura 4 Livro de Bira Macedo. Foto do autor.
Ubirajara Macedo, tal como Elismar Santos e Raphael Souza, trabalha a produção de seus livros por conta própria. O autor desabafa: “falando a verdade, pesquisei tudo a sós, tentei patrocínio, consegui o mínimo, mas venci e aí estão”.
Os desafios para o escritor não são poucos, e ele confidencia que “mesmo sendo Secretário de Cultura, hoje, precisaríamos de mais apoio em tudo das Administrações, no setor cultural”.
Bira Macedo, no entanto, diz-se realizado em seu Ofício de Escritor, “pois sendo um semianalfabeto, consigo fazer o que quero”. O termo semianalfabeto aparece constantemente nas conversas que tenho com o escritor, e acho graça nisso. Embora não seja detentor de título de nível superior, Bira Macedo é Contador de profissão, fotógrafo e jornalista por iniciativa própria. Já fundou vários jornais e periódicos em Coração de Jesus e foi correspondente em mais de um Jornal do Norte de Minas, além de realizar vários cursos de extensão e capacitação nas áreas de cultura e paleontologia. Além disso, se sai bem em outras áreas da arte: é artesão, escultor e, batam palmas, boticário. Produz vários perfumes com plantas, frutos e raízes do serrado, além de elaborados e deliciosos licores.
Mas a queixa de Bira Macedo é a mesma de outros escritores locais. Para ele, é necessário que haja “mais valorização pelos nossos conterrâneos e os políticos regionais”.
As obras de Bira Macedo podem ser compradas diretamente com o próprio autor, inclusive por encomenda através de seu perfil no Facebook, ou por e-mail, ou no Casarão da Fundação Cultural José Alves de Macedo, na Praça da Matriz, em Coração de Jesus.
A escritora Maria Clara Moreira Leite e Souza, única escritora a responder à pesquisa, nasceu na cidade de Montes Claros, mudando logo depois para Coração de Jesus. Sua família é de origem daqui e viveu em Coração de Jesus até os 14 anos de idade, quando retornou para Montes Claros para estudar. Porém, vem com frequência à nossa cidade, onde estão seus pais e seu irmão. Maria Clara publicou o livro de poesia “Na ordem da vida eu poetizo”, no ano de 2012. Convidada por mim para falar sobre sua vida como escritora, respondeu, animada, e prontamente, ao convite. O que se segue é praticamente toda a narrativa das respostas que ela me enviou.
Maria Clara é, também, um daqueles talentos que, como Elismar Santos, Raphael Souza e Ubirajara Macedo, nasceu na infância. A escritora afirma:
“Aos sete anos escrevi meu primeiro poema, foi escrito para a minha professora da 1ª série do fundamental I, por quem eu nutria muita admiração. Mas, quando criança, sempre fui de verbalizar poesias. Quando fui alfabetizada aprendi também a colocá-las no papel”.
A autora é também um talento que consegue migrar entre os vários tipos de produção literária, como poesia, “diário, crônicas, romance”. No entanto, não publicou, oficialmente, nenhum outro texto que não poesia.
Maria Clara produziu o seu livro de maneira independente, da mesma forma que os demais escritores de Coração de Jesus. Para ela, porém, incentivada pelos pais, o trabalho parece menos cansativo do que para os demais. Veja o que diz a autora sobre seu trabalho:
“Na realidade, falo que ‘caí de paraquedas’ no mundo da publicação literária. Pois, incentivada pelos meus pais, decidi participar do Psiu Poético e foi lá que me mostraram que, reunindo as poesias que escrevi desde os seis anos até os onze, eu poderia publicar um livro e lançá-lo na edição do Psiu que participei. Achei muito interessante na ocasião. Quando criança, sempre fui de tomar decisões desafiadoras para minha idade. Mas, escrever um livro foi muito tranquilo, pois ao longo da minha infância amava escrever e na época era um passatempo descrever e analisar meus sentimentos e visões de mundo por meio da poesia”.
Por outro lado, a escritora sente na pele os mesmos desafios que todos os escritores de nossa região. Questionada sobre esses fatores, ela responde:
“A desvalorização do escritor é relatada frequentemente, mas quando escrevi fui muito bem surpreendida, pois as pessoas davam valor ao trabalho artístico de uma criança. Porém, hoje em dia, penso que se fosse escrever poesias como ofício único seria uma jornada trabalhosa, tanto pela inspiração, pois quando somos criança a imaginação vai muito mais longe, quanto pela desvalorização do escritor e da falta de motivação à leitura. Quando eu
Figura 4 Livro de Bira Macedo. Foto do autor.
estudava no fundamental I, na época que escrevi a maior parte do meu livro, a leitura era muito incentivada nas escolas aqui em Coração, o que admiro muito. Porém, poucas crianças têm o hábito de ler em casa, quando crescemos isso muda ainda mais drasticamente. Penso que em tempos de quarentena, que vivemos atualmente, se tornou mais perceptível que os livros são uma maneira de ocuparmos a mente e viajarmos para fora de nossa própria casa. No dia-a-dia, porém, ainda encontro essa desvalorização da leitura e, consequentemente do ofício do escritor”.
Maria Clara não tem atuado muito, nos últimos anos, no ofício de escritora, mas afirma, sobre se se sente realizada nesse ofício:
“Enquanto escrevi e publiquei os meus escritos, isso me fez muito realizada. Era um sonho de criança que consegui realizar. Hoje, utilizo a escrita para organizar muitas áreas da minha vida, para autoconhecimento. Então, se e quando voltar a escrever literatura, penso que continuarei muito realizada. A escrita abre nossa mente e nos leva a ver o mundo com olhos mais observadores”.
Com relação a que tipo de respaldo ela gostaria de ter para que seu ofício fosse, definitivamente, reconhecido, a autora respondeu:
“Acho que ainda falta incentivo concreto e maior divulgação de eventos literários em cidades como a nossa. Apesar de Coração valorizar muito a cultura do município, como realizando o ‘Diz que é de Coras’ e outros eventos, ainda penso que seria incrível uma estimulação concreta das produções artísticas aqui. Falo isso em âmbito local, pois sei que muitos possuem potencial para serem artistas na cidade, mas encontram poucos ambientes para exporem suas obras. Eventos como o psiu poético, locais como a biblioteca pública, tornando-a mais funcional e estando essa ligada à estimulação da leitura e escrita, incentivariam muitos a escreverem e, dessa maneira, seria dada maior visibilidade à escrita como um ofício propriamente dito”.
A escritora não me informou se sua obra ainda está à venda ou se já se esgotou. Interessados no livro, acesse seu perfil no Facebook para tirar dúvidas.



Próximo artigo deste Blog: Ubirajara Alves Macedo: o autor através do tempo








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