quinta-feira, 14 de julho de 2022

A IMPORTÂNCIA DA FORMAÇÃO DE LEITORES E COMO ME TORNEI UM LEITOR VORAZ

Foto: Nalva Oliveira
Gilberto Medeiros

Ler e escrever estão entre as maiores conquistas da humanidade, vindo logo depois de aprender a andar e se comunicar (fala). No entanto, como toda grande conquista, ler e escrever não é fácil e nem sempre foi acessível à maioria das pessoas. Embora a leitura e a escrita façam parte da história humana há séculos, só no século XX apareceu uma história da leitura. E, mesmo que no início ambas estivessem atreladas, hoje a leitura praticamente independe da escrita, isto é, o público leitor hoje é amplo e não depende de escrever para praticar a leitura, embora seja impossível que quem escreva não leia.

Baseado nos estudos feitos por essa vertente histórica, constatamos que a “prática da leitura” foi muito tímida durante muito tempo e foi “transformando-se de acordo com a construção social de cada uma dessas épocas” (FERNANDES, 2022). Dessa forma, a prática da leitura está atrelada ao suporte da escrita e às pessoas a quem ela se destina. Os suportes serão acessíveis e o público muda conforme a época. Os suportes historicamente mais conhecidos vão das tabuinhas cuneiformes da Mesopotâmia Antiga, “passando por rolos de papiros, códices, escritos em pedra, escritos em couro” (FERNANDES, 2022) até os monitores e telas de computadores modernos. Esses suportes contribuíram para limitar, ou moldar, a prática de leitura em cada período.

O público leitor também variou historicamente. Nas sociedades antigas, em que as práticas de leitura estavam vinculadas ao sacerdócio, aos escribas ou a pessoas ligadas à hierarquia social, era costume a leitura oral, alta, para um público maior de pessoas, com as leituras em praça para anunciar normas legislativas ou nas grandes escolas, como as de Atenas, para um grupo maior de alunos, cujo aprendizado dava-se pela decoração e recitação de trechos ouvidos, como os das epopeias de Homero. Nesse período a leitura não estava associada a algo prazeroso, interessante ou solitário, mas acima de tudo ao trabalho” (LINS, 2020).

A Prática da leitura silenciosa foi desenvolvida pelos monges copistas na Idade Média, que precisavam de um ambiente calmo e silencioso para realizar seu trabalho: copiar, iluminar e resguardar os códices (FERNANDES, 2022). Além da leitura silenciosa, na Idade Média era comum a leitura em pé, curvada sobre o texto, em postura de contemplação do que se lia. Isso faz da leitura algo transcendente. A prática da leitura silenciosa foi estendida com a invenção da prensa, por Gutemberg, no século XV, que facilitou o acesso de um número maior de pessoas aos livros. Estas pessoas, de posse de material extraordinário, faziam suas leituras em casa, de modo silencioso, especialmente para não denunciar a presença de livros em sua residência durante o período em que a Igreja perseguiu a prática secular da produção de livros e autores cujas obras eram censuradas.

No século XVIII ocorrem dois eventos importantes para tornar a prática da leitura popular: o advento do romantismo literário e as feiras de livros em várias cidades europeias. Escritos filosóficos e panfletos políticos foram duas produções literárias que ganharam destaque nesse período. A publicação de livros em periódicos e jornais, no formato seriado, facilitou o acesso da população à leitura (o que favoreceu, por exemplo, a Revolução Francesa de 1789).

No Brasil, apesar dos movimentos ao redor do mundo em prol da leitura, durante todo o período colonial, o período imperial e mesmo em boa parte da República, a prática da leitura, e da escrita, estava restrita a um grupo especial de pessoas. Durante a colonização, apenas os senhores vindos de Portugal recebiam educação tutelada e podiam ler e escrever e até meados do século XIX, praticamente não existiam livros no Brasil. O que se lia, neste período,

eram textos autobiografados, relatos de viajantes, textos escritos manualmente, como cartas, documentos de cartório, e a primeira constituição do império de 1.827, especifica sobre a instrução pública; o código criminal e a bíblia também serviam como manual de leitura nas raras  escolas que existiam (SOUZA FILHO, 2011).

Com a mudança da família real para o Brasil e a exigência comercial, cresceu a necessidade de mão de obra instruída, o que possibilitou a ampliação do ensino da escrita e da leitura. Essa possibilidade, na verdade, assim como outras mudanças, foram exigidas pelas transformações que ocorriam no mundo, como o alcance do poder político pela burguesia em vários países europeus, a Revolução Industrial, a Francesa, a mudança do ponto de vista do homem sobre as coisas com o Renascimento e o Iluminismo, a queda de teorias como o Teocentrismo e o Geocentrismo, sendo substituídas pelo Antropocentrismo e o Heliocentrismo (Cf. SOUZA E FILHO, 2011).

Chegado a esse ponto, constatamos que a prática de leitura é esclarecedora e libertadora e, apesar de não ser fácil e de poder ser incentiva externamente, é pessoal, subjetiva, dependendo de “alguns fatores, como a interpretação e a capacidade de retirar sentidos dos símbolos que ali estão colocados” (LINS, 2020), do contato com material de leitura, do ambiente e do tempo. No dizer de Souza Filho

há de se considerar o lugar de onde as pessoas falam, a imagem que elas têm umas das outras, a posição social dessas pessoas e ainda o que dizem e até o que não dizem dizendo, ou melhor, a questão dos não-ditos. Observando, ainda, principalmente: o contexto sócio-histórico e ideológico no qual esses interlocutores estão inseridos” (SOUZA FILHO, 2011).

A postura também é importante. Ou seja, não é apenas o que se lê, de onde se lê, mas também como se lê que possibilita à pessoa o resultado positivo final. Deste modo, a formação de leitores é uma exigência fundamental para a posição da pessoa na história, no seu meio social e para seu sucesso. É um processo árduo “porque se torna fundamental explorar a imaginação e a capacidade de criar novos cenários” (VINICIUS, 2022).

De tal modo, formar leitores significa possibilitar o acesso de mais pessoas à leitura, que hoje também é tomada como prazer. É ofertar às pessoas, jovens ou não, formas de entrar em contato com outras culturas, outros mundos, de saber o que se passa nas mentalidades dos povos em todo o mundo. É favorecer o acesso a um processo de libertação da mente, de ampliação do conhecimento, de uso da criatividade e da formação crítico-social.

A leitura possibilita viagens a mundos diferentes sem que a pessoa saia do lugar. Ela é o principal fator da formação do pensamento crítico, “pois a pessoa que lê conhece o mundo e conhecendo-o terá condições de atuar sobre ele, modificando-o e tornando-o melhor” (ZUCCA e ALMEIDA, 2019). A leitura tem o poder da democratização da pessoa e, por isso, a formação do leitor é fundamental para a humanidade e deve ser adota e aplicada por todas as pessoas.

Foto: Nalva Oliveira

Em minha prática de leitura, tenho lido quase tudo que se produz na literatura universal e brasileira. Não foi fácil o caminho que trilhei até aqui. Filho de camponeses pobres e analfabetos, meu acesso a conteúdos escritos, durante meu processo educativo inicial, foi bastante restrito, senão quase inexistente. Aprendi a ler e a escrever aos sete anos de idade e a Escola na época não oferecia nenhum material que não as anotações da professora. Meu acesso à leitura começou através dos GIBs (como eram chamadas as Histórias em Quadrinho – HQs – em minha infância). Esses GIBs pertenciam a dois filhos do patrão, em cuja fazenda morávamos. Eles deixavam suas revistas jogadas no quintal e eu as pegava emprestadas. Essa leitura fora extremamente importante para mim e deu início à minha formação de leitor.

Com o tempo passei a comprar meus próprios GIBs, que incluíam os almanaques da Disney e as Revistas de Canan Rei. Quando saí do campo fui embora para Montes Claros e passei a ter acesso aos livros da Biblioteca da EE Deputado Esteves Rodrigues, onde concluí o Ensino Fundamental, já na idade adulta. Li todos os livros que me interessavam naquela biblioteca e ganhei um concurso de poesia organizado pela UNIMONTES. Tive acesso também ao acervo da Biblioteca do Centro Cultural Hermes de Paula, Montes Claros, onde retirava livros semanalmente e passava boa parte do meu tempo estudando. Já no Seminário, tive acesso à biblioteca do mesmo, mais para formação acadêmica. Nesta época já havia me tornado um “leitor voraz”.

Meu maior sonho sempre foi tornar-me escritor e isso impulsionou minha vontade de ler. Quando ainda estava em Montes Claros, comecei a comprar livros e a formar meu acervo pessoal que hoje soma mais de setecentos livros. Sou um leitor de livros impressos, embora cultive a prática da leitura de livros digitais. Cataloguei uma série de escritores internacionais e nacionais, cujas obras estão entre as que mais leio. Desenvolvi também uma ordem para facilitar a leitura: releituras importantes, leituras de autores novos, leituras de obras universais (incluindo minhas áreas de conhecimento e estudo), leituras de autores brasileiros, leituras de autores regionais e locais (tenho uma prateleira só para essa literatura), leituras da literatura LGBTQIA+, leituras da literatura negra, outras literaturas (especialmente das linhas militantes). Manter um padrão de leitura e um planejamento mínimo é importante para focarmos no que estamos lendo e ficar a par do que acontece em todos os lugares. Focar em uma área também é importante, embora não se possa deixar de explorar todas as possibilidades. Pessoalmente aplico-me mais à leitura de romances históricos e construções literárias do fantástico, mas de modo nenhum deixo de mergulhar nas outras áreas da literatura.

Houve anos em que li cerca de 70 a 80 livros. Entre os anos 2017 e 2019, tive esse fluxo de leitura bastante afetado pelos cargos que venho ocupando. Atualmente, especialmente com a pandemia, tenho aumentando significativamente meu ritmo de leitura e ampliado a quantidade de livros que leio.

Foto: Nalva Oliveira

Em suma, a prática da leitura retirou-me do submundo da ignorância e me trouxe à luz do conhecimento, da militância e da democratização da minha pessoa. Com ela ganhou forma a realização do meu sonho mais ambicioso: tornar-me escritor, o que tenho conseguido já com a publicação do meu terceiro livro.

 

TEXTOS CONSULTADOS

FERNANDES, Cláudio. História da Leitura. Disponível em https://www.historiadomundo.com.br/curiosidades/historia-leitura.htm Acesso em 11 jul. 2022.

FILHO E SOUZA, Marinho Celestino de. Breve história da leitura e da escrita. Disponível em http://www.redemebox.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=26218:breve-historia-da-leitura-e-da-escrita&catid=282:287&Itemid=21#:~:text=BREVE%20HIST%C3%93RICO%20DA%20LEITURA%20Entre%20n%C3%B3s%20a%20hist%C3%B3ria,descobridores%20e%20benfeitores%2C%20permanecendo%20assim%20por%20longo%20per%C3%ADodo. Publicado em 28 set. 20221, Acesso em 11 jul. 2022.

LINS, Lívia Carvalho Teixeira. História da Leitura. Revista Educação Pública, v. 20, nº 5, 4 de fevereiro de 2020. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/20/5/historia-da-leitura. Acesso em 11 jul. 2022.

VINÍCIUS, Paulo. A importância da formação de leitores. Disponível em https://www.ficcoeshumanas.com.br/post/a-import%C3%A2ncia-da-forma%C3%A7%C3%A3o-de-leitores. Acessado em 11 jul. 2022.

ZUCCA, Viviane Chagas. ALMEIDA, Roseli Maria Rosa. A Leitura e a sua importância: Formação de Leitores no 3° ano do Ensino Fundamental. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 04, Ed. 09, Vol. 05, pp. 36-53. Setembro de 2019. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/educacao/formacao-de-leitores.

Palestra ministrada nas atividades do Clube de Leitores da EE Benício Prates
13 de julho de 2022 


INDICAÇÃO DE LEITURA SOBRE O TEMA DA PALESTRA

 

Livros

Os desafios da escrita – Roger Chartier

História da Leitura – Steven Roger Fischer e Cláudia Freire

Uma história da leitura – Alberto Manguel e Pedro Maia Soares

A formação da leitura no Brasil – Marisa Lajolo e Regina Zilberman

 

Textos da minha autoria

Ser escritor em tempos de multimídia

Escritores de Coração de Jesus e suas batalhas

Ubirajara Alves Macedo: o autor através do tempo

Todos disponíveis no meu blogger https://historiaehipermidia.blogspot.com/.

 

Como me encontrar

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