Tecnologia, Hiroshima e Nagasaki
Não há um só dia em que não ouvimos falar dos
avanços tecnológicos imprimidos pela ciência à história. O nível de elogios a
esse avanço tomou tamanha expressividade que parece não haver nenhum malefício
advindo dele. Nota-se, cada vez mais, a presença constante de uma ideia segundo
a qual todos os males da humanidade parecem superados. As mídias sociais
conformam-se com essa ideia a ponto de dar-lhe vasão imensurável. Mas sabemos
que, assim como em tantos outros temas, esse é mais um disfarce que possibilita
esconder os sofrimentos causados por esses avanços e, sobretudo, eximir a
humanidade de alguns dos seus mais notórios erros.
De
modo algum, quero, aqui, desmerecer essa parte fundante da criatividade humana
e seus benefícios para o homem. Quero, apenas, lembrar que muita coisa ruim proveio
do desenvolvimento tecnológico, especialmente nos termos capitalista, e ainda
estão por vir.

Embora aquelas explosões tenham ocorrido no Japão,
sua responsabilidade é de toda a humanidade. Mesmo sendo parte de um projeto
insano, como a Segunda Guerra Mundial, reflete os desdobramentos dos avanços
tecnológicos pelos quais a humanidade tanto ansiou. Em outra época o homem
poderia ter pensado tamanha destruição? Ela seria possível sem a os resultados
de pesquisas científicas e tecnológicas possíveis apenas em nossa era?
Embora a maioria dos grandes males ocorridos,
sobretudo nas guerras, tenha sido fruto de avanços tecnológicos, cada qual em
seu tempo e de uma forma diferente, e impulsionados por decisões políticas
advindas de interesses escusos, tais como as grandes empresas do Império
Romano, os carros de guerra da Mesopotâmia e do Egito, os barcos de guerra da
Grécia antiga, as torres de cerco e os aríetes medievais, entre outros, somente
no século XX se chegou a uma arma suficientemente perigosa para a completa
destruição da humanidade. Os dedos da morte lançados por aquelas duas bombas
foram tão longos e poderosos que a própria morte encolheu sua mão de susto, e
hoje reflete sobre a fatalidade de tal invectiva.
Poder
ou não poder soltar uma nova bomba, eis a questão. É certo que muitos pensariam
uma incursão como esta para pôr fim a situações antipáticas como o avanço do
chamado Estado Islâmico sobre áreas do mundo oriental, ameaçando mesmo o
Ocidente. Seria uma maneira fácil de lidar com a situação e resolvê-la
rapidamente. Mas então? Soltar uma nova bomba ou contentar-se com mísseisnucleares teleguiados, que não causam mal menor, mesmo que cada um não tenha o
mesmo poder de uma bomba nuclear, mas muitos causem o mesmo efeito?
Hiroshima e Nagasaki são, talvez, os dois exemplos
mais claros dos malefícios provenientes do avanço desenfreado e sem ética da
tecnologia. Porém, não se pode esquecer outros exemplos como os das guerras com
uso de elementos químicos, as atuais guerras de mísseis nucleares e morteiros e
os funestos experimentos científicos ocorridos nos campos de concentração da
Segunda Guerra, ou ainda as experiências farmacêuticas em povos desprotegidos
da África por grandes empresas de medicamentos, e mesmo ainda o memorável 11 de
Setembro.
Quando vejo centenas de jovens, também adultos e
mesmo crianças, desperdiçarem seu precioso tempo iludidos com alguns
aplicativos sociais do momento, percebo como tais aplicativos são desenvolvidos
para segar as pessoas, embotar sua inteligência reflexiva e esconder a
realidade de dominação na qual ainda vivemos. Não podemos demonizar esses
filhos legítimos da tecnologia, mas também não devemos endeusá-los. A divindade
atribuída a seres puramente terrenos frequentemente resulta em erro, caso
daquele bezerro de ouro criado pelos hebreus ao saírem do Egito: um símbolo da
total escravidão para quem já estava liberto, mas não sabia o que fazer com sua
liberdade.
Imagino que essa metáfora exemplifica bem o caso do
mau uso da tecnologia feito, especialmente, pelos poderosos, mas ainda por
todos, visto que entre os hebreus, a maioria era muito pobre.
O objetivo deste texto não é apontar o avanço
tecnológico como erro humano, mas dar um alerta para o fato de que dele podem
resultar grandes malefícios e fazer um pouco de justiça à memória de Hiroshima
e Nagasaki, 70 anos depois de sua quase total destruição.
Seria hipocrisia de minha parte, sendo um apaixonado
por tecnologia, repudiar a importância desta em nossas vidas, quer no passado,
quer no presente, e ainda mais no futuro, quando tudo aponta para uma maior
dependência da mesma. Sem tecnologia, este texto não estaria neste blog,
dedicado à História e à Hipermídia, essa nova “mania” na produção de
conhecimento no mundo das mídias, outro lugar com o qual devemos tomar certo
cuidado.
Por fim, devemos aprender com os erros para
evitarmos novos e maiores erros. Não podemos evitar o mal resultante dos
experimentos feitos por poderosos em Hiroshima e Nagasaki, nem podemos corrigir
esse erro, mas podemos impedir que novos males e novos erros provenham do mal
uso de tecnologias. O passo mais próximo para isso é evitar o endeusamento
desta, passando a vê-la e a usá-la apenas como criação humana: extremamente
finita, apesar de quase ilimitada.
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